12/09/2016

Estamos muito perto de um mundo sem os nossos primos evolutivos

O homem pode viver sem os grandes primatas no planeta? Sim. Mas a Terra será um lugar diferente sem os nossos “parentes mais próximos”, acreditam os especialistas, que avisam que este é um perigo real e cada vez mais próximo.

Este mês, a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, sigla em inglês) divulgou mais um dos conhecidos relatórios da Lista Vermelha que inclui um retrato à escala mundial das espécies em perigo. Ali estava o alerta: “Quatro dos seis grandes primatas estão a um passo da extinção.” O PÚBLICO perguntou a alguns especialistas o que significaria o fim dos primatas e o que é possível fazer para travar este desastre ecológico. Agora que já mostrámos que somos capazes de destruir os nossos “parentes mais próximos”, será que ainda vamos a tempo de os salvar?

“Cada vez que uma espécie desaparece, nós perdemos um fio da tapeçaria da vida, na qual todos os fios estão ligados entre si”, diz-nos a primatóloga e antropóloga britânica Jane Goodall, que estuda a vida social e familiar dos chimpanzés há mais de 40 anos, numa das respostas por email ao PÚBLICO.

A verdade é que este tapete da vida já tem alguns buracos (o rinoceronte-branco-do-norte, por exemplo, foi extinto). Há uns pedaços que estão cada vez mais frágeis e em risco de romper, como é o caso dos seis “fios” a que pertencem as espécies de grandes primatas em risco de extinção: o chimpanzé, o bonobo, o gorila-do-ocidente, o gorila-do-oriente, o orangotango-de-samatra e o orangotango-do-bornéu. Os gorilas e os orangotangos estão apenas a “um passo” da extinção, avisa a IUCN.

“Actualmente, quatro das seis espécies de primatas estão em perigo crítico — isto significa que o declínio foi de 80% em três gerações. No caso dos gorilas, uma geração equivale a 20 anos, e o gorila-oriental sofreu um declínio de 77% numa só geração”, refere Andrew Plumptre, cientista que estuda gorilas e chimpanzés e que colabora com a IUCN na elaboração dos relatórios da Lista Vermelha. Se tudo continuar como está, e se este declínio não for travado, “existe o risco de termos um planeta sem os nossos primos primatas e nós seremos o único que irá restar”, diz o especialista, que, neste cenário, estima que os gorilas-orientais sejam extintos em dez ou 20 anos. Os números eliminam qualquer margem para dúvidas: há pouco mais de 20 anos existiam 16.900 gorilas-das-planícies-orientais (gorila-de-grauer). Actualmente, há apenas 4600, diz o investigador.

Conflitos, desflorestação e destruição do habitat (sobretudo para exploração da madeira e cultura de óleo de palma), caça para consumo ou para comércio de mascotes, são alguns dos diversificados e requintados meios de destruição dos grandes primatas. Atrás deles, só há um culpado: o Homem. O mesmo que agora está perante o incrível desafio de os tentar salvar. São animais de crescimento lento que demoram vários anos a recuperar de um declínio acentuado, salienta a primatóloga Catarina Casanova, da Universidade Técnica de Lisboa, que também colabora com a IUCN e que estuda chimpanzés na Guiné-Bissau. “Há locais onde antes existiam milhares de indivíduos e agora existem 500, que é o mínimo para a viabilidade genética de uma espécie”, nota.

Não reconhecemos as semelhanças apenas quando os olhamos nos olhos ou os vemos, num documentário ou noutro sítio qualquer, a cuidar das crias ou uns dos outros. “São os animais mais parecidos connosco geneticamente, a semelhança é na ordem dos 98%. Têm enormes capacidades intelectuais, têm capacidades de adaptação, têm flexibilidade comportamental mas não estão a conseguir ultrapassar este grande perigo que é a extinção”, confirma Eugénia Cunha, antropóloga da Universidade de Lisboa.

Os conservacionistas lutam pela preservação de espécies num mundo com cada vez mais gente, atingido pela pobreza e guerras entre outros poderosos males. A tarefa de convencer as pessoas de que vale a pena gastar tempo, dinheiro e recursos na conservação é quase heróica. “Alguns dos países onde vivem os gorilas e chimpanzés têm um nível socioeconómico tão baixo que a prioridade não são os animais, são as pessoas”, reconhece Eugénia Cunha. “Os organismos internacionais têm de reagir.”

Fonte: https://www.publico.pt/ciencia/noticia/e-se-os-grandes-primatas-desaparecerem-da-face-da-terra-1743691

Sem comentários:

Enviar um comentário